10 de nov. de 2008

As Cruzadas em uma Música

Professores de História,
Ei aí, uma bela surpresa!!
Uma música para trabalhar as "cruzadas".
Relato: Jorge Alberto


Há muito tempo, antes de inventaram essa tal de interdisciplinaridade, eu já fazia uso de conceitos de outras matérias em minhas aulas.

Sempre acreditei que tanto a Literatura, quanto a Arte e a Música são fundamentais para que uma verdadeira aula de História possa vir a interessar aos alunos e nós, acreditem, termos mais motivos e motivações para que o nosso trabalho seja feito a contento. Lógico que eu não me limitava a estes campos do conhecimento e, dependendo do tema da aula, eu poderia falar sobre Geometria ou um pouco de Física. Na verdade, eu me divertia bastante fazendo isso. Portanto, quando a aula fosse sobre a Idade Média e alguns de seus aspectos, como As Cruzadas, eu fazia uso da música Agnus Sei (na voz de Elis Regina), da dupla Bosco & Blanc. Abaixo, eu mostro a letra para que você possa entender os motivos pelos quais esta composição era utilizada.

Faces sob o sol, os olhos na cruz
Os heróis do bem prosseguem na brisa na manhã
Vão levar ao reino dos minaretes
A paz na ponta dos arietes
A conversão para os infiéis
Para trás ficou a marca da cruz
Na fumaça negra vinda na brisa da manhã
Ah, como é difícil tornar-se herói
Só quem tentou sabe como dói
Vencer Satã só com orações
Á andá pa Catarandá que Deus tudo vê
Á andá pa Catarandá que Deus tudo vê
Á anda, ê hora, ê manda, ê mata,
Responderei não!
Dominus dominium juros além
Todos esses anos agnus sei que sou também
Mas ovelha negra me desgarrei
O meu pastor não sabe que eu sei
Da arma oculta na sua mão
Meu profano amor eu prefiro assimá nudez sem véus diante da Santa-Inquisição
Ah, o tribunal não recordará
Dos fugitivos de Shangri-Lá
O tempo vence toda a ilusão.

Daqui em diante, seguem as explicações para o desenvolvimento da aula.
A princípio é necessário situar os alunos no tempo, isto é, explicar o que foi a Idade Média mesmo que em termos gerais, onde deve constar a estratificação social (Clero, Nobreza e povo), o feudalismo em si, a diferença entre servidão e escravidão e a predominância da religião no aspecto ideológico geral. Antes mesmo de apresentar a música, numa aula anterior, eu sempre passava o filme “O Exército Brancaleone”, para que os alunos pudessem visualizar o gestual, as roupas, a alimentação, a ordem e o ideal de cavalaria; bem como a questão das Cruzadas, que tão bem são apresentadas neste filme e, melhor ainda, em uma forma lúdica.
Ainda antes da apresentação era feito um histórico geral das Cruzadas, informando que foi um movimento não apenas religioso (pano de fundo), mas geopolítico, onde os cristãos ocidentais procuravam conquistar terras e riquezas no Oriente Médio, tendo como motivação ideológica a libertação da cidade sagrada de Jerusalém, que naquele momento estava em mãos muçulmanas. A primeira cruzada data do século XI, mais precisamente 1096 e prosseguiu em várias ondas até meados do século XV. Houve várias cruzadas, como a Cruzada das Crianças, por exemplo.
Ao apresentar a música, praticamente eu explicava a etimologia de algumas palavras. Na verdade, a letra e a música podem até mesmo ser encenadas. Eu diria que poderia ser feita uma pequena dramatização do texto. Por exemplo, a frase “Faces sob o sol, os olhos na cruz”, mostra a determinação dos cruzados em sua missão.

Em “Vão levar ao reino dos minaretes a paz na ponta dos aríetes. A conversão para os infiéis”, há um prato cheio. Vejamos: Minarete (explicar o que é – um símbolo (torre) do islamismo, onde os muçulmanos são convocados por cânticos a orar). Depois a palavra ARIETE (Instrumento de guerra utilizado para invadir fortificações e portões) é explicada com seu sentido etimológico, derivando de Ares ou Áries (carneiro). Não era necessariamente a forma de um carneiro que havia em uma extremidade, mas o instrumento de guerra tomou este sentido devido os carneiros baterem as cabeças contra seus adversários. Conseqüentemente, os infiéis muçulmanos, seriam derrotados e a fé cristã prevaleceria.
Em “Ah, como é difícil tornar-se herói. Só quem tentou sabe como dói. Vencer Satã só com orações”. É muito claro que foi necessário “pegar em armas” para que a fé cristã fosse levada aos infiéis e assim, ao combatê-los, quando da morte de um cristão, o reino dos céus estaria com sua vaga reservada para esta alma, que lutou até a morte contra o inimigo da fé e também contra o demônio. No caso da letra da música, parece mais que é uma luta contra os demônios interiores, quando a ordem era matar o infiel e o cruzado se nega “Ê anda, ê hora, ê manda, ê mata, responderei não!”
Em “Dominus dominium juros além”, podemos ver que a palavra Dominus significa Senhor, que tanto pode ser um senhor feudal ou Deus. Neste ponto eu aproveitava para falar do conceito de vassalagem e suserania. Dominus dominium tem um sentido de poder total sobre alguém que se submete como vassalo a um suserano que o protegerá. Havia todo um cerimonial para a “homenagem” e a “investidura”. Os “juros além”, eu aproveitava para falar que a conta seria paga no céu, de acordo com as “boas ações” praticadas pelos fiéis, e também falava sobre o pecado da usura, já puxando um gancho para nas aulas seguintes, falar sobre a Reforma.
A citação à Inquisição mostra bem a hipocrisia em que esta instituição estava fundamentada. Novamente era explicado o conceito e as formas pelas quais a Inquisição fazia valer os preceitos cristãos.
E o tribunal que se esquece de quem fugiu do Paraíso (Shangri-Lá) é a memória que se perde como o tempo e a ilusão de ser herói para alcançar a glória numa vida celestial.
Considerações finais
Aqui cabe uma observação. Nunca descobri o significado para “Catarandá”. Cheguei a encontrar em um texto, em italiano, a menção a esta palavra, mas como se fosse um sobrenome. Pode ser que seja uma onomatopéia inventada pelo Aldir.
Uma outra observação: como os tempos eram da Ditadura, acredito que haja um tanto de metáforas contidas na letra como uma forma de luta contra a opressão.



Fonte: http://recantodaspalavras.wordpress.com/2008/05/22/as-cruzadas-em-uma-msica-para-usar-em-sala-de-aula/

12 comentários:

  1. Espetacular!!!

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  2. Concordo com sua interpretação.Corretíssima,apenas reafirmando a época da ditadura e suas metáforas presentes na música.

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  3. Perfeito. Pude entender melhor.

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  4. Há anos tentando entender o que Aldir queria dizer. Uma bela aula, valeu!

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  5. Muito obrigado pela aula parabéns!

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  6. Este comentário foi removido pelo autor.

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  7. Nossa, obrigada! Sou apaixonada por essa música e por causa do “Catarandá” cheguei até esse blog. Eu já tinha sacado as metáforas em relação a Ditadura, mas queria compreender mais, tentando descobrir o significado do refrão. Valeu!

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  8. Muito bom! Catarandá pode ser um neologismo criado pelo poeta - catar + andar - e também forma o som dos tambores de guerra. "Ê hora" da letra não seria "ora" de oração?

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  9. Sublinho a última frase dessa magnífica composição:O tempo vence toda ilusão.

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